26/01/2009

Crônicas de Mil Coisas

Escritores no armário

Usha Velasco*


“É mais fácil achar petróleo do que conseguir fazer o guarda-sol ficar em pé. Mas tudo isso não conta, diante da alegria, da felicidade, da maravilha que é entrar no mar! Aquela água tão cristalina que dá pra ver os cardumes de latinha de cerveja no fundo. Depois de um belo banho de mar, com o rego cheio de sal e a periquita cheia de areia, vem aquela vontade de fritar na chapa. A gente abre a esteira velha, com o cheiro de velório de bode, bota o chapéu, os óculos escuros e puxa um ronco bacaninha. Isso é paz, isso é amor, isso é o absurdo do calor!!!!!”

Este parágrafo é de um texto que tem circulado por e-mail. Um texto até engraçado. Só que, na última linha, vem a assinatura: Luís Fernando Veríssimo. Falsa, evidentemente. O elegante, refinado, sutil Veríssimo jamais escreveria “pra”, “rego” ou “periquita cheia de areia”. Ele não colocaria expressões assim nem mesmo na boca de um personagem, digamos, rústico. Também não apelaria – nunca!!!!! – para cinco pontos de exclamação no final de uma frase.

Veríssimo é o queridinho dos internautas sem-noção que usam nomes conhecidos para assinar textos ruins. Esse é um fenômeno curioso, um plágio ao inverso. Antes, o sujeito pegava a criação de outro e fingia que era o autor. Hoje ele sua para escrever seu próprio texto (sim, escrever dá trabalho), mas diz que é de Fernando Pessoa, Garcia Márquez...

O triste é que pouca gente percebe o engodo. Os leitores não conhecem os mestres da palavra tão bem assim. Atire a primeira pedra quem nunca repassou um powerpoint transbordante de flores e de mensagens edificantes assinado por Carlos Drummond de Andrade.

O que se passa na cabeça de alguém que escreve suas maltraçadas, tasca uma assinatura falsa e manda para o mundo? Será que confunde facilidade de enviar com capacidade de escrever? Qual será o prazer maior: ver suas palavras circulando ou enganar os destinatários? Se ele tenta fisgar leitores com um grande nome, é porque quer ser lido. Mas, se quer ser lido, por que não assina?

Mistérios da rede, mistérios da mente humana. Seria possível fazer uma corrente inversa e devolver esses e-mails a seus autores? Seria interessante. Escreveríamos uma mensagem edificante, é claro. Na linha da auto-ajuda. Algo como “assuma suas idéias, saia do armário, seja feliz!” Afinal, como disse o mais-que-inimitável Guimarães Rosa, o que a vida quer da gente é coragem.


*Usha Velasco é jornalista do Sindjus-DF e publica as Crônicas de Mil Coisas semanalmente.

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