11/03/2009

Crônicas de Mil Coisas

Desigualdade virtual

Usha Velasco*

Até hoje recebo e-mails indignados sobre um fato de cinco meses atrás: a declaração da cantora Cláudia Leite de que preferia que seu filho fosse “macho”, não gay. Além de ganhar espaço na mídia, a questão mobilizou os internautas, motivou correntes, cartas de repúdio, um sem-número de manifestações.

Foi uma fala infeliz, inoportuna, politicamente incorreta, mas será que merecia tanto barulho? Afinal, respondia apenas à uma especulação sobre futuras opções sexuais de uma criança que ainda estava na barriga da mãe. Não chegou a ofender ninguém em termos pessoais -- ao contrário de um caso que mobilizou a mídia nesta última semana, o da criança estuprada e grávida de gêmeos.

Esta menina foi marcada por uma violência concreta e irremediável. Por que não estamos recebendo centenas de mensagens sobre isso? Onde está a indignação manifestada em defesa dos direitos dos gays? Não se repetirá em repúdio à posição da Igreja, que excomungou a mãe e os médicos que fizeram o aborto, mas não o criminoso que estuprou a criança dos seis aos nove anos?

Pelo jeito, não. Em minha caixa de mensagens chegou apenas um e-mail sobre isso: um texto do blog de Denis Russo Burgierman. Nele o jornalista conta que criou o Mussumismo, uma religião que cultua o falecido trapalhão Mussum, que seu primeiro ato foi excomungar o arcebispo de Olinda e Recife.

Fora isso, nada. Silêncio. Nenhuma outra mensagem sobre o assunto. Nenhuma corrente. Nenhum abaixo-assinado eletrônico. Nenhum comentário sobre a enxurrada de artigos na imprensa. Qual será o motivo dessa apatia? Quero acreditar que a maioria de nós não concorda com a jurássica hipocrisia da Igreja, nem tolera crimes cometidos por tarados pedófilos. Mas discordar é uma coisa, manifestar-se é outra.

Fico imaginando como estaria minha caixa de mensagens se a criança grávida fosse uma menina rica, habitante de um fino condomínio paulista ou carioca. Não sei. O fato é que ela é de uma família nordestina sem muitos recursos. Parece que a desigualdade marca presença sempre, tanto nos espaços concretos quanto nos virtuais.

*Usha Velasco é jornalista do Sindjus-DF e publica as Crônicas de Mil Coisas semanalmente.

2 comentários:

João Menéres disse...

Nos blogues que eu frequento, muitos não deixaram de levantar a questão do jurássico tempo em que Igreja vive.
Mas, correntes de repúdio mesmo, eu não vi e como não sei manejar com com as ferramentas, deixei-me ficar quieto à espera que alguém me solicitasse.

Anônimo disse...

Infelizmente esse é o Brasil em que vivemos... no caso da menina que sofreu esse estupro e após um aborto, eu pergunto? será que esse caso vai cair no esquecimento como
o caso da menina de 15 anos que ficou presa com homens por muitos dias numa cadeira no Pará? Deu prisão para a delegada, para a juíza que permitiram esse abuso ou apenas uma "anotação" em suas fichas funcionais resultante de um PAD? Questões para se pensar....