25/03/2009
Crônicas de Mil Coisas
Carros, mulheres, revólveres, facas
Usha Velasco*
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Difícil passar uma semana sem ler a tragédia de sempre no jornal: marido (ou namorado) mata a companheira. A vítima da vez foi Simone, jovem e bonita, mãe de duas crianças. Mesmo alvejada com três tiros, conseguiu telefonar e denunciar o assassino. Há pouco tempo foi Ana Paula, mãe de três filhos, esfaqueada em seu trabalho, num restaurante na Asa Norte.
Casos assim ganham destaque na mídia por suas peculiaridades, não pelo que têm de tristemente comum. Eles são tão corriqueiros que nós até esquecemos de fazer a pergunta essencial: o que leva tantos homens a matar suas mulheres?
Por trás de ações existem posturas, convicções. E as convicções não nascem do nada. De onde elas vêm? O que as alimenta? As fontes são muitas; esta é uma discussão excessivamente ampla para uma postagem num blog. Porém, já que estamos num blog, cabe fazer pelo menos um link.
Há dois dias recebi um e-mail engraçadinho, bem comum, com o tipo de piada que circula por aí aos montes. Era um powerpoint com fotos de carros importados e mulheres idem. As imagens vinham intercaladas: um carrão, um mulherão. Dezessete de cada. A pergunta inicial era: o que eu escolho, um carro ou uma mulher? No final, a resposta: não importa a escolha, o resultado será o mesmo. Para completar, as imagens de um carro amassado e de uma mulher envelhecida, com os seios caídos.
Sou bem-humorada. Coleciono bobagens da rede, distribuo piadas por e-mail. Por isso alguns amigos homens me enviam mensagens como essa (e outras piores, de conteúdo impublicável). Acho saudável rir das nossas desgraças, tanto masculinas quanto femininas, várias delas expressas nesse powerpoint: a velhice inevitável, a decadência dos seios, as poucas chances de ter acesso a um daqueles carros -- ou a uma daquelas mulheres.
Sim, temos que rir. Levar a vida a ferro e fogo é meio cansativo. Por outro lado, pensar um pouquinho não faz mal a ninguém. Vamos lá: o que eu escolho, uma mulher ou um carro? Lê-se nas entrelinhas que ambos estão à venda, não? São objetos. As informações estão implícitas, é claro. Se fossem explicitadas, gerariam revolta. Nas entrelinhas, viram piada. Desse modo são aceitas e incorporadas ao nosso imaginário, às nossas posturas, às nossas convicções.
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* Usha Velasco é jornalista do Sindjus e publica as Crônicas de Mil Coisas semanalmente.
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