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Vai lá, Rita!
Usha Velasco*
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Rita Mirella viveu, e ainda vive, plenamente o seu tempo. Participou dos movimentos estudantis contra a ditadura, nos tempos de faculdade. Foi militante comunista nos anos mais negros do regime militar. Foi perseguida, passou por tempos difíceis, sobreviveu. Casou-se, criou quatro filhos e hoje é mãe de família, agitadora cultural, líder comunitária, médica e secretária municipal de Direitos Humanos numa cidade mineira.
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Mesmo com tudo isso, a linha mais interessante em sua trajetória talvez seja uma simples história de amor. Simples não, perdão; uma história de amor digna de roteiro de novela, ou, elevando o nível em homenagem aos personagens, digna de um romance de Vargas Llosa ou João Ubaldo Ribeiro.
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Nos verdes anos de faculdade de Medicina, Rita apaixonou-se por José Gerson, aguerrido membro do movimento estudantil. Foi um sentimento fulminante, um caso de amor à primeira vista, recíproco, inescapável. Após o primeiro olhar eles não mais se desgrudaram, a despeito da vigilância da tradicional família da moça e da patrulha ideológica da esquerda, que não via com bons olhos esses arroubos românticos pequeno-burgueses.
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Mas eles passaram por cima de tudo despreocupadamente, pós-adolescentes que eram. Com José Gerson, Rita Mirella viveu o amor e o medo, a luta e o prazer, os sonhos e os pesadelos do começo dos anos setenta. Até que o medo e o pesadelo venceram a parada. José Gerson entrou para a luta armada e para a clandestinidade, foi preso, torturado e finalmente desapareceu nos porões da ditadura.
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Em meio ao desespero e à depressão, Rita tentou, durante anos, saber notícias dele, sem sucesso. Convenceu-se, finalmente, de que o grande amor da sua vida estava enterrado num cemitério clandestino ou calado para sempre no fundo do mar. Aos poucos a dor foi abrindo espaço para a moça levantar a cabeça. Guerreira que era, dedicou-se a trabalhos sociais, medicina comunitária e movimentos educacionais em bairros carentes.
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A vida prosseguiu, Rita casou-se. Casou muito bem, diga-se de passagem. João Lucas é um homem maravilhoso, pai dedicado, marido atencioso e ainda apaixonado, mesmo depois de trinta anos. São muitos os adjetivos de João Lucas, a quem Rita Mirella devota o mais sincero carinho. Mas, há um ano, ela recebeu um telefonema perturbador. Na verdade, muito mais que perturbador.
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Era José Gerson. Estava vivo e morando em Belo Horizonte, a menos de duzentos quilômetros da cidade de Rita. Trinta e cinco anos depois de ser dado como morto, e após um sem-número de atribulações que não cabe aqui relatar, ele decidiu entrar em contato. Fez apenas duas perguntas: se ela estava casada e se estava feliz. Afirmou apenas uma coisa: que ainda a amava.
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Mas Rita Mirella, a guerreira, fraquejou. Doze meses se passaram e ela não teve coragem de encontrá-lo. A possibilidade de tornar a ver o grande amor de sua vida perturba seus sonhos e lhe tira o sono. Ela tem certeza de que ainda o ama, de que não resistiria a esse sentimento, de que abandonaria uma vida estruturada, uma família sólida, um marido perfeito, e reembarcaria numa relação que iria levá-la a... ninguém sabe onde.
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Essa história ainda não teve um epílogo. O certo é que, atualmente, as amigas de Rita não cabem em si de revolta. Rita Mirella, o amor é lindo! Rita Mirella, seus filhos estão criados! Rita Mirella, abre o olho, vai pra vida, corre pro abraço! O quê? Sua preocupação é João Lucas? João Lucas, o marido perfeito? Rita Mirella, olha em volta, olha quanta mulher sozinha procurando um príncipe! Libera o João, minha filha, deixa a fila andar!!!
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* Usha Velasco é jornalista do Sindjus e publica as Crônicas de Mil Coisas semanalmente.
10/04/2009
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